quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Cap. 1 - Lagos (parte 2)

Logo começamos a rir uma da cara da outra, é sempre assim. Vivemos implicando e brigando, mas eu sei que no final eu sempre posso contar com ela para qualquer coisa, minha irmã é uma das minhas melhores amigas.

_QUEM ALAGOU A CASA VENHA SECAR, AGORA!- O gentil grito da mamãe nos tira do nosso momento de irmandade.

_Ok, Lu. Acho melhor eu acabar de arrumar minhas coisas. – Ana me responde saindo na maior cara-de-pau. “É, acho que nem sempre eu posso contar com ela.” Penso comigo mesma enquanto corro para enxugar a casa antes que mamãe de o segundo berro.

_Desculpa mãe, me distrai falando com a Ana e esqueci que estava molhada da chuva.

_Limpe logo, antes que seu irmão acabe caindo.

_Ok – Limpo o mais rápido possível, Dona Isabel não é conhecida por sua paciência. Alias, ela era conhecida pelos seus três sinais, o primeiro era o verdadeiro grito ou a chamada de atenção, o segundo já não era mais um grito era um tom de voz um pouco mais alto e calmo, um aviso sutil que ela está começando a se irritar. Agora o terceiro ela só chama seu nome, com calma e em um tom de voz normal, quem não conhece pensa que esta tudo bem, a pobre alma nem sabe o tamanho da bronca que terá que enfrentar depois. Mas foi com esses três avisos que ela coordena duas creches.

Quando termino volto para meu quarto e me jogo na cama, coloco meus fones e começo a escutar “True Love”. Aos poucos começo a relaxar ao som das batidas de SOJA e fico vagando por pensamentos desconexos até que começo a visualizar a praia que eu estava mais cedo.

Só que dessa vez ela está cheia e eu estou sentada em uma das escadas que leva a areia da praia, consigo até sentir o calor do sol na minha pele. Estico-me para saborear um pouco esse momento, é muito difícil eu vir sozinha na praia quando o clima está bom assim, sempre vem minha família toda e o que era pra ser um prazer acaba se tornando uma obrigação.

De repente vejo uma garota correndo pela rua com toda força em direção a praia, ela é linda, mesmo com uma expressão tão agoniada no rosto, morena de cabelos cacheados e com lindos olhos negros. Ela para na escada a lado da minha e fica olhando o mar, parecendo pensar no que iria fazer agora. Começo a prestar atenção nas roupas dela e percebo que o que eu pensava ser um vestido é na verdade uma camisola branca com detalhes verdes, ela então se vira pra mim e sorri e percebo que ela está com meu colar, só que dessa vez a pedra está em um amarelo brilhante. Quando volto a encarar seu rosto percebo que essa garota na verdade sou eu, me assusto e antes que possa dizer alguma coisa ela se joga no rio.

Acordo ofegando e com uma sensação de afogamento, passo a mão no meu rosto e percebo que está molhado assim como meu cabelo e toda minha cama. Fico parada em choque, tentando raciocinar o que queria dizer tudo aquilo. Eu não poderia estar molhada desse jeito assim, deve ter alguma explicação.

_Tomou banho na cama foi Sis? – Ana me tirou do devaneio.

_Ana, eu to encharcada!

_ Eu percebi. – ela disse revirando os olhos.

_O único problema é que eu não tenho idéia de como fiquei assim. – respondi enquanto me levantava e começava a me secar, de novo, estou começando a achar que já tomei muito banho para um dia só.

_ Hum. – ela disse distraidamente olhando para um ponto atrás de mim. – Minha teoria é que você dormiu com a janela aberta e como está chovendo, conseqüentemente a chuva acabou molhando tudo.

Me virei e percebi que ela realmente tinha razão, a janela do quarto estava aberta e continuava a cair a mesma chuva da qual eu tinha fugido, com a diferença que agora ela estava mais fraca e o céu estava mais limpo, já conseguia ver algumas estrelas e até a lua cheia.

_Jurava que tinha fechado. –falei, sem deixar de me sentir aliviada por finalmente ter encontrado uma explicação lógica para isso.

_Bem aproveite que já estás molhada e termina logo esse banho pra gente poder ir à praça.

Peguei a toalha que ela me estendia e me dirigi para o banheiro, depois de tomar meu primeiro banho espontâneo do dia volto para o quarto e vejo que Ana ainda está lá, brincando com o colar.

_ Preparada para voltar às aulas Lu? – Ela me pergunta enquanto escolho minhas roupas.

_Sinceramente, não. – Respondo com uma careta.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Cap. 1 - Lagos (parte 1)

1. Lagos

Finalmente consigo tempo para mim e pego minha bicicleta. Eu sei que o certo é ajudar a minha família e ficar juntos deles o máximo possível nas férias, mas alguns dias já são suficientes para me fazer desejar voltar às aulas. Acredito que não vai ser preciso avisar pra onde eu vou, eles sabem que sempre que o tempo está fechado desse jeito corro pra curtir a praia só pra mim.

Não que eu não goste de praia quando está ensolarado, sou até viciada em água demais para o gosto dos outros, mas adoro ir para lá no tempo fechado porque ela está vazia, principalmente nesse horário que a maré está “baixa”. Posso andar de bicicleta sem tem quer me preocupar com bater em crianças ou ter que olhar meu irmão e meus primos menores.

Não tem sensação melhor do que esse vento forte no meu rosto, ouvindo In the Cold Light o Morning do Placebo e com as ondas ao fundo, sem nenhum sol forte, sem se preocupar com mãe, escola, saudades, brigas, nada. Só o vazio da música e das ondas junto. Deixo-me levar por essa sensação de vazio durante o tempo que a música acaba e abro os olhos, agora vem a minha outra parte favorita e vou andar pelas pedras.

Eu sei que a maioria das pessoas não gosta de praias, pois são sujas e a maioria das minhas amigas preferiria ficar em casa a vir aqui, mas eu adoro esse lugar. As pessoas diferentes, a tranqüilidade da praça à noite e até mesmo as praias, que quando está bem baixo o rio as pedras de argila aparecem e criam espécies de lagos coloridos que são ótimos para sentar e banhar os pés enquanto se ouve um reggae tranqüilo esperando a chuva chegar.

Mexendo meus pés na areia dentro de um desses laguinhos senti um fio se enrolar em meus dedos e quando pego vejo que é um colar com um pingente, o colar era somente uma tira de couro trançada um pouco ruída na parte do prendedor, o que deve ter causado a sua perda. O pingente era uma pedra simples e comum, um quartzo talvez, mas a sua cor era o que mais me chamava atenção, parecia que não tinha um tom exato, mudava do vermelho ao rosa o tempo todo.

Coloco o colar pensando se ele agüentaria ali até o tempo que chegasse em casa e mal termino de encaixar o fecho quando vem um vento forte que arranca meus fones e sem aviso nenhum a chuva cai. Saio correndo sem nem me preocupar em colocar os fones novamente e subo na bicicleta e pedalo o mais rápido possível para casa.

Assim que entrei percebi que seria melhor ter continuado na praia e encarado a chuva, tinha esquecido completamente que hoje é nosso ultimo dia aqui e inevitavelmente mamãe estaria estressada até o limite da razão.

_ Se eu fosse você não deixava a mãe ver essa poça e correria pro seu quarto para arrumar as coisas antes dela chegar lá, ela acabou de sair do meu e sinto dizer que isso não fez o humor dela melhorar. – Me alertou Ana, minha irmã de 13 anos viciada em tecnologia e livros, enquanto me jogava uma toalha. Acho incrível nós acharem parecidas, tirando o mesmo tom de pele morena e os mesmos olhos castanhos escuros não temos mais nada parecido.

Ela tem cabelo liso e um rosto redondo com um nariz de bola, puxando toda a nossa herança indígena, enquanto eu só tive a sorte de ter o mesmo nariz e a cor. Meu cabelo é encaracolado e meu rosto é mais fino.

_Eu já arrumei o meu de manhã. Sis,olha só o que eu encontrei.- Digo enquanto mostro meu colar e começo a caminhar em direção ao meu quarto.

_Que colar massa, o que é isso?

_Ué, não é couro? Pensei que fosse.

_Não, parece três tranças enroladas. Que estranho, do que será?- Enquanto ela tirava o pingente e me entregava o colar.

_Não faço a menor idéia!- E realmente, agora que ela falou pude perceber que tinha razão. Era como se fossem três tranças e tivessem sido enroladas e presas, aquilo não poderiam ser apenas linhas, era de um material que eu ainda não consegui descobrir qual...

_E qual é a desse pingente? Quando eu o vi em você ele não era verde. - Ela o estende pra mim

_Como assim?- Antes de pega-lo percebo que ele realmente está verde, mas no instante em que encosta na minha pele volta para a mudança constante entre o vermelho e o rosa. - Cara, que bizarro!

_ E coloque bizarro nisso, acho que deve ser uma dessas pedras que mudam de cor de acordo com o humor da pessoa.

_ Acho que você tem razão Sis. Ei, de noite vais comigo na praça ver se arranjo um hippie que conserte isso?

_Claro, to a fim de comprar uma pulseira do reggae pra mim mesmo

_Mais uma? – Minha irmã tem certa queda por esses tipos de pulseiras, do reggae, por exemplo, acredito que tenha umas cinco.

_Dessa vez preciso de uma grossa, é muito doca.

_Pensei que a mamãe tivesse dito pra você não comprar essas pulseiras. - A provoquei enquanto entrava no meu quarto.

_Assim como eu pensei que a mamãe tivesse lhe dito que não é mais pra você fazer esses dreads de lã no seu cabelo. – Ela respondeu enquanto me encarava do batente da porta.

Formamos um quadro engraçado, eu com minha moita de cachos, meus quatro dreads colorido saindo da parte baixo da minha cabeça, meu alargado de quatro mm do lado direito e meus quatro furos, mais meu vestido florido e ela com seus cabelos lisos, suas mechas roxas, simples argolas com somente dois furos, seu short jeans e uma blusa branca simples e, sempre com elas, suas cinco pulseiras coloridas em cada braço.